9.9.09

Um símbolo infantil - A coxinha

A descoberta de que o senado brasileiro é corrupto, o quase fim da crise mundial (que nem foi tão mundial assim), o sumiço do cantor Belchior (diga-se de passagem, ele estava meio sumido há 20 anos), a queda da taxa dos juros - entre as várias notícias que foram eleitas para povoar a mídia nos últimos dias, uma decisão jurídica importantíssima passou quase desapercebida, se não fossem algumas vozes abafadas, quase silenciadas: a proibição da venda de coxinhas e afins nas cantinas escolares de São Paulo.

De bate pronto, este assunto pode ser engraçado e ter sua importância subestimada, mas analisando suas conseqüências a fundo, ele é algo de suma relevância em um retrato da sociedade que estamos construindo.

A primeira controvérsia é o absurdo de se proibir a venda de coxinhas nas escolas infantis, quando os refeitórios de qualquer empresa podem continuar servindo a guloseima para adultos. Se tem uma fase da vida em que a gente pode comer as coisas sem grandes traumas, culpa, pesos na consciência e na barriga, esta fase é a infância. Toda criança tem um metabolismo incrível e um poder de adaptação melhor ainda.
Claro, que não sou nutricionista e não estou expondo nenhum dado científico aqui, mas estou falando de bom senso. Quando nos tornamos adultos, pensamos no peso, no colesterol, no cardilogista que vai encher nosso saco, no endocrinologista que vai encher nosso saco, na nutricionista que vai encher nosso saco, no tanquinho do Brad Pitt, na barriga da Julia Roberts. Para uma criança, este universo da culpa criada pelo desgraçado que inventou o termo “qualidade de vida” não existe. Ou alguém se lembra de já ter visto uma cena assim quando criança:

SALA DE AULA – 7 DA MANHÃ
Na classe da 4ª B, a professora faz a chamada. A classe está cheia de alunos.

Ação principal: Professora (23 anos), Mariana (9 anos), Naiara (9 anos), Aluna 3 (10 anos).

Obs.: A aluna 3 é repetente.

Professora: Mariana?
Mariana: Presente.
Professora: Naiara?
Naiara: Presente.
Professora: Pedrinho?... Pedrinho?
Aluna 3: O Pedrinho faltou, professora.
Mariana: Nossa, o Pedrinho faltou de novo?
Aluna 3: Pois é... é que o triglicéries dele está muito alto.
Mariana: Sério?
Aluna 3: Sim, ele não sabe mais o que fazer.
Naiara: Eu ouvi dizer que a Julinha da 3ªB teve isso o ano passado e ela foi num médico ótimo. Mas, ela não pode comer Bolin Bola e pipoca doce até hoje.
Aluna 3: É... triglicéries é coisa séria.

Poxa, criança deve esquentar a cabeça com as coisas da infância, que digamos de passagem já não são poucas. É uma falta de generosidade querermos que os guris levem uma vida com a privação adulta.
Eu ainda me lembro da minha época de moleque no colégio de freiras em que eu juntava dinheiro para poder comprar as fichinhas redondas coloridas de plástico vendidas na cantina, as quais você trocava por lanches. Não era permitido comprar diretamente o lanche com dinheiro, você precisava possuir as fichas coloridas, só elas te davam direito ao lanche. Somente anos mais tarde, fui perceber que as fichinhas redondas de plástico das freiras, tão presentes na memória da minha infância, eram na verdade fichas de cassino.
Me recordo de todos os meninos e meninas de fichinhas coloridas em mãos, aguardando a “Tia da Coxinha” chegar. A “Tia da Coxinha” era uma figura recorrente em quase todos os colégios de Santo André. Vários amigos meus, que estudavam em outras escolas também lembram das suas “Tias da Coxinha”. No meu colégio, esta figura era representada por uma senhora negra de cabelinhos brancos, que um pouco após ao sino do recreio soar, chegava com uma cesta de palha muito maior do ela carregada de coxinhas, bolinhos de carne e esfihas. As crianças a cercavam imediatamente e ela mal consegui chegar ao seu destino, que era balcãozinho de madeira onde apoiava a cesta e trocava quitutes por fichas de cassino. Parecia uma espécie de pop star, tentando atravessar uma multidão.
Logo que ela abria a cesta de palha, subia aquela fumaça e saía aquele cheiro de coxinha feita na hora. Era a realização plena da molecada. Depois de comer uma coxinha, ou um bolinho, todo mundo ia jogar bola feliz. Tinha dias que eu não tinha grana para comprar a famosa coxinha, mas não fazia mal, sempre tinha alguém para te dar um teco, que seria retribuído, quando a coxinha fosse minha.
Não me sai da cabeça o pensamento de como seria esta cena hoje em dia nas esolas em São Paulo. A velha senhora negra de cabelinhos brancos vendendo suas coxinhas no meio da criançada e sendo bruscamente abordada por um tropa de elite de fiscais. A velhinha correndo, tentando esconder e se livrar das coxinhas, os policiais derrubando e chutando a cesta no chão, as crianças enchendo a boca para comer tudo de uma vez e os fiscais fazendo elas cuspirem e vomitarem para terem a prova do crime.

Pois é, com esta proibição, o que as cantinas vão vender agora? Imagine só, se a “Tia da Couve Flor Cozida” vai fazer sucesso, ou então, a “Tia da Proteína de Soja”. Ou pior, imagine como serão as lembranças dessas crianças no futuro.

A coxinha, além de tudo, é um símbolo do politicamente incorreto, daquilo que a gente sabe que não é muito certo, mas vale a pena.
Fico com medo e rezo para que não criemos de jeito nenhum uma geração de soldados politicamente corretos. A vida politicamente correta pode ser muito chata e perigosa. As crianças já não brincam tanto na rua hoje em dia, não assistem mais ao Mussum, o Pica-Pau já não faz tanto sucesso, a TV Pirata não está mais nos planos da Globo, o Jô Soares nunca mais se vestiu de Capitão Gay, Jânio Quadros não pode mais ser prefeito e agora, a coxinha foi proibida nas cantinas. O mundo está ficando monótono.
É engraçado que tenha que vir dos EUA, o país que praticamente inventou o politicamente correto, a nossa última esperança. Homer Simpson, por favor, salve para nossas crianças de uma vida na Suíça!

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