24.2.10

Crônicas Prudentinas I


Tinha um cara do meu colégio lá em Presidente Prudente que fazia Karatê. Não lembro o nome dele, então vamos chamá-lo de Daniel.

Daniel vivia tretando com os outros garotos, usando seus poderes karatekas para sobrepujar os não-conhecedores das artes marciais.

Um dia, num bar, ele mexeu com a mina de um sujeito (também não lembro o nome dele, então vamos chamá-lo de Ralph). Como vocês sabem, Prudente é um lugar de gente rude, então rapidinho a briga tava armada. Mas não durou muito: em coisa de segundos, enquanto Daniel tomava a posição do flamingo vingador ou algo que o valha, Ralph quebrou uma garrafa de cerveja no balcão e picotou a cara do karateka. Com um novo buraco no nariz e mais de 30 pontos na cara, Daniel nunca mais teve coragem de mexer com ninguém.

Moral da história: depois que o primeiro macaco deu com um osso na cabeça de outro (vocês podem ver a cena brilhantemente documentada em "2001: A Space Odyssey"), luta corporal virou um negócio ultrapassado.

19.2.10

Poesia e Realidade

Uma vez um certo camarada me disse que gostava de viver apenas olhando e pegando o melhor de cada um a sua volta.
Depois de algum tempo percebi que há algo omisso, egoísta neste lema, que a princípio parecia um jeito poético de encarar o caminho pela vida.

Pegar apenas o melhor significa deixar de notar e compartilhar as nuances, deixar de ver tons de cores, significa nunca escutar o lado B, fugir das porradas, ter que se limitar a apenas um filme com Jack Nicholson, uma música do Paul, significa se esquivar dos momentos difíceis, não ouvir os gritos de quem se ama, mesmo quando ela não tem razão, significa não se entregar de verdade, pois o melhor ainda pode estar por vir.


A beleza está no dia-a-dia, na história, nos infernos atravessados. Qual o valor da medalha se não houve jogo?
Ninguém gosta de sofrer, não. Longe disso. Mas eu adoro os lados Bs, adoro os tons de cinza, amo a perfeição dos defeitos de quem eu amo, pro que der e vier.
Quero perto de mim quem me gosta nas dificuldades, nas tentativas, no silêncio doído, nas grosserias, nos pedidos de ajuda que eu não faço. Estas pessoas me fazem melhor.

4.2.10

Resmungo


Em outro tempo (ah!, a longínqua década de 80) e em outra cidade (ah! a longínqua Presidente Prudente), animais de estimação não custavam caro - nem na hora de comprar, nem pra cuidar.

Uma vez por mês aparecia alguém querendo dar um filhote, mesmo de raça, porque não ia conseguiria aguentar ter mais um cão ou gato. Minha família mesmo entrou nessa dança: acabamos com duas fêmeas, Pastor e Huski, que davam cria pelo menos uma vez por ano, e os filhotes que não conseguíamos vender, dávamos. Às vezes rolava até um certo pânico: nossos cães nunca davam ninhadas de menos de 6, e quando ainda sobravam uns 3 cachorros a gente ficava naquela de "o que a gente vai fazer com esses bichos?", e saía avisando todo mundo que tava distribuindo cachorro pra quem quisesse.

Não que fosse caro cuidar dos bichos, era mais um problema de espaço. Mesmo vacinando e levando pro veterinário de vez em quando, sustentar um animal era bem tranquilo. Nossos cães comiam de tudo que sobrava em casa, nada de Bonzo Sabores ou Frolic Júnior. De vez em quando misturávamos restos de comida com uma ração mais legal, principalmente pros mais novos. E, excetuando-se alguma doença fulminante tipo uma Verminose Darth Vader, os bichos eram bem auto-sustentáveis. Às vezes um ficava meio cabisbaixo porque comeu alguma coisa que não devia ter comido, outro machucava a pata porque andou onde não devia ter andado, e a vida seguia.

Mas porque estou aqui resmungando, afinal? Bom, acontece que a gata da minha namorada, a Vênus, passou mal na semana passada. A gente acordou com um barulho estranhíssimo, e lá estava a bicha rodando a cabeça e vomitando que nem n'O Exorcista. Língua roxa, cara inchada. Estranhíssimo, parecia que ela tinha tomado alguma coisa venenosa, ou tinha sido picada por algum bicho muito sinistro.

Na verdade, a minha namorada que me acordou, me intimando pra ir pra um Pet-socorro. Depois de me recompor do susto, lá fomos. A bichinha foi internada, e receberíamos notícias em breve. As notícias que vieram depois de quase um dia de internação foram "ainda não sabemos, não conseguimos nem tirar sangue porque ela está muito inchada, então não temos nenhum exame".

Mais um dia de internação, exames finalmente feitos: inconclusivos. Não se sabe até hoje o que aconteceu, chutaram que ela "pode ter tomado alguma coisa venenosa, ou ter sido picada por algum bicho muito sinistro." (notou a semelhança com o que eu disse que parecia lá em cima? Assim é fácil: eu, que mal diferencio um Siamês de um Angorá, podia dizer isso)

Mas a conta do hospital eles sabiam direitinho: dois dias de internação, soro e exames em geral totalizaram mais de mil reais.

MIL REAIS? Desculpa, eu até acho a Vênus uma gata muito simpática, mas dava pra alimentar uma criança de rua por um mês com essa grana. Eu teria vergonha de dizer em público que gastei isso com um hospital pra gato.

Lógico que na hora você desespera (e nisso os hospitais de animais são iguaizinhos aos de humanos: feitos pra tomar o máximo de grana possível no seu momento de maior fragilidade) e paga o que for pra ver o seu bichinho bem. Mas, resumindo o resmungo: hoje em dia, em São Paulo, é foda ter um animal de estimação.