31.10.10

Carta aberta a Dona Dilma


Dona Dilma,


Sou um cidadão que mora em São Paulo. Como a senhora acaba de ser eleita presidente do país em que vivo, resolvi escrever esta carta sobre coisas que têm passado na minha cabeça. Espero que ela chegue a sua destinatária de algum jeito. Já digo de antemão que não vou pedir nada concreto como dinheiro, casa, carro (para isso eu escreveria para o Silvio Santos), nem vou oferecer nada. Quero apenas conversar. Gosto de conversar.


Minha mulher está grávida. Tenho 35 anos, ela 32. É nossa primeira filha ou filho; minha mulher acha que é menina e eu prefiro a surpresa.

Devido a este fato, uma felicidade sem comparação faz parte do meu dia, mas um certo medo, que nunca tinha sentido antes, também faz. Penso muito sobre criar uma criança neste país, nesta cidade, neste tempo, na vida que eu levo, embora a considere boa.


Apareci no mundo numa cidade ao lado da capital, também com nome de santo. Nasci em uma família que educou seu filho único trabalhando muito, dormindo pouco, sem poder vacilar um dia, senão não tinha teto e nem comida no outro. Vim para São Paulo para estudar em uma faculdade estadual e acabei ficando, como se fosse o movimento natural, sem nunca pensar muito sobre o assunto. Sempre fui do tipo que se vira bem, entra e sai de qualquer lugar.


Minha mulher e eu moramos de aluguel em um apartamento pequeno visto pelos olhos dos nossos amigos e grande para muita gente. Estamos tentando comprar uma casa, mas ainda não deu. Quando vejo o mar de apartamentos de 1 milhão de reais sendo erguidos e vendidos à nossa volta, me sinto mal, acho que só eu não tenho grana para viver tranquilo com a minha família; acho que posso estar no lugar errado. Mas tudo isso passa.


O que me preocupa mesmo, Dona Dilma, é o fato de colocar uma criança em uma cidade em que as pessoas se acostumaram a andar na rua desconfiadas umas das outras. Isto não é normal, embora as pessoas nem se dêem mais conta disso.

Nem andar na rua nós sabemos. Quem pode, nem anda mais a pé. Quem anda a pé, olha para trás o tempo todo. E o pior é que essa preocupação tem total fundamento. Como a gente vai confiar no outro, se ninguém dá o mínimo exemplo? A gente tem medo da noite, tem medo de assalto, tem medo da polícia, tem medo de falar para o outro não jogar papel na rua, pois ele pode andar armado. Talvez seja melhor ter uma arma, mas tenho até medo do que posso fazer. Deus me livre virar a pessoa que mete medo nos outros na rua. A gente é condicionado, dia-a-dia, a viver mais cada um por si.

Acho que a minha preocupação na verdade, vem de colocar uma pessoa que vai aprender as coisas a partir de um lugar assim.


Então, Dona Dilma, este é o real motivo desta carta. Minha filha ou filho vai nascer durante o seu mandato, assim como milhões de pequenas pessoinhas, que conhecerão as alternativas do que fazer e do que não fazer a partir do mundo que os cercará. É claro, que a maior responsabilidade será minha e de minha mulher, não podemos e nem queremos fugir disso. Será uma honra. Mas sei que nenhum filho ou filha cresce em uma bolha, isolado do mundo. Então, ao tomar as decisões que serão parte do seu dia-a-dia, peço que, por um segundo toda vez, pense que estará dando a milhões de jovens cabecinhas, muito mais do que uma nova lei, um novo decreto, um novo programa social. Estará ensinando o jeito que elas verão e perceberão o mundo e isto fará parte delas por toda suas vidas.


Como já deve ter deduzido, eu cresci na época da ditadura no Brasil, então no que se tratava de respeito e liberdade “do outro” era bem fácil, bastava entender tudo ao contrário. Nunca me esqueci do efeito da emenda Dante de Oliveira na população e vejo hoje, como isso me ajudou a entender aos 9 anos o tipo de sujeito que eu queria ser.

Sei que terá muitas responsabilidades, mas se puder, lembre que algumas vidas estarão começando do zero durante a sua liderança e que elas filtrarão todo o futuro pelas lembranças do lugar que nasceram.


Um grande abraço Dona Dilma.

1 comment:

mu said...

Só agora li esse texto tão bacana.